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Foto do escritorSerena Franco

Logan February (Nigéria 1999)




NÃO AMO NADA QUE NÃO ME CAIBA NAS MÃOS



Não amo nada

que não me caiba nas mãos.

Mas, por outro lado, tenho mãos

grandes.

Então prefiro as coisas pequenas,

para poder amar um montão de coisas;

minha pedra deforme da sorte,

a corrente oxidada da porta,

o clips para a coceira interior,

o coração em forma de caracol do meu

namorado,

branco como uma pérola, limpo de sangue.



Todo mundo é a vítima em sua própria história:

Que problema há em guardar-te um

lugarzinho dentro de mim?

Por dentro todo mundo

não trata de ocultar algo,

de levar de contrabando alguma besta

cálida?

Sinto saudades da minha casa em meu próprio

quarto,

não voltarei a mostrar a cara até que

meus olhos recobrem vida.


Boa noite, janela.

Boa noite, parede.

Boa noite, irmãozinho.

Boa noite, noite. Perdão por estar

tão triste. Todo mundo é a vítima em sua

própria história.






CORPOS SOLITÁRIOS



Uma garça pousa. Se converte

em névoa. Um homem que me quer


amar sem amar-me está deitado

ao meu lado e me cita seu avô,


me diz: “um corpo não é lenha para

O fogo”, o que quer dizer


que se sente solitário e humano, o que quer dizer

que nunca viu um corpo retorcer-se & gritar


& volver-se uma fumaça espessa, a madeira desnuda

retorcida sem piedade. Me está chamando em uma espécie


de língua de senhas & não lhe vejo as mãos,

não sei o que quer dizer-me


Me pergunto se a névoa evita que as coisas

murchas peguem fogo como


evita que alguém veja. Me pergunto se ele sabe o

quão frios tenho os ossos, o quão desidratados


estão, & que se permaneço é porque é próprio

das coisas delicadas retorcerem-se. Um pássaro distinto


se lança desde o céu, devolvendo-me a forma ao meu corpo.

Eu rejeito os nomes com os quais me chama. Digo


que é uma nuvem, distraído como todas as nuvens,

porque me permite que me desvencilhe dele. Eu também


me converto em névoa & me dissipo.





TENTATIVAS TAUMATÚRGICAS QUEBRADIÇAS



Eu não sou milagreiro, não posso evitar

que o entardecer se dessangre na noite.


a escuridão só sabe desmoronar-se

para dentro.

As corujas do meu quarto já deixaram

de falar,


Vou aconchegar–me entre os ramos .

Quero apegar-me a algo que também


esteja apegado a algo. A apatia

me embala, uma mãe que não pedi.


Gastei toda a pele da cara,

derrubei os templos de minhas têmporas


& sigo sendo a exceção

profana de todas as regras.


A amargura é o mito que me restou

na boca &

que não lembro de tragar.


O gayzinho fica sozinho todos os

fins de semana.

A noite se abre sozinha, uma flor de

açafrão.





ÀS SEXTAS-FEIRAS ME PERMITO ESPERANÇA



Me estão encarando olhos de dragão

& minha casa não é nenhum santuário.


Construí caixas com

ossos de pássaros & contas de rosário.


Minha mãe se queixa

dos segredos que guardo ali dentro.


Nasci com a pele tatuada

em uma língua morta, infernal de

traduzir.


O menino no berço

com morcegos que pendem


chama sua mente enferma

o diabo em pessoa


Quanto tenho que abrir a boca

para nomear o que nunca vi?


Tenho a parte debaixo da língua

mofada

de podridão e de palavras;


minha mãe se queixa do apagão:

eu me queixo de ter nascido com ele.


Às sextas, me crescem asas curtidas

& quando o diabo me tira para dançar


faço de conta que é

todos os meninos que amei.






A ESPERANÇA É UMA CAIXA DE ABELHAS


Cruzo os dedos quebrados para pedir

um desejo:

que as ramas das árvores me

protejam dos dragões


e do mal. Besouros infestam a

poltrona.

Meu terapeuta diz que a palavra é

“trauma”.


Um pássaro caído se faz fumaça.

Eu revolvo o açúcar do meu chá, parado na

metade


do vendaval de folhas secas. Espero que

papai me esteja esperando onde termina

o bosque


mas eu sei que ele não existe mais.

Chovem os comprimidos que me receitaram.




PITANGA


Os pisos da memória são de vidro, o que significa

que o remédio não me está fazendo

efeito, o que significa

que estou outra vez no chão, o que significa

que estamos em julho, o que significa

que brotaram as pitangueiras, o que significa

que estão pintando de vermelho os arbustos,

o que significa que parecem de fogo, o que significa

que vou tratar de recolhê-las, o que significa

que ainda me atrai o perigo, o que significa

que poderia desejar-te outra vez, o que significa que você segue sendo um buraco negro, o que significa

que em você desapareço, o que significa

que vou te amar, o que significa

que sigo desejando desaparecer, o que significa

que o remédio não me está fazendo efeito,

o que significa

que sigo mal da cabeça, o que significa

que tinha razão, o que significa

que não tinha razão, o que significa

que não posso confiar em mim, o que significa

que não posso confiar em você, o que significa

que não posso confiar em nada, o que

significa

que necessito de remédios, o que significa

hospital, o que significa

outubro, o que significa

que já não deveria haver pitangas

isso não é de verdade

o remédio não me está fazendo efeito

os pisos da memória são de vidro

estou chegando ao fundo


ninguém me vai impedir


você não está.





RETRATO DO MANEQUIM COMO MEU PAI



Como homem, tens que fazer coisas

com o peito.

Como homem, guardas muitos

segredos. Tens

muitos segredos & tens que guardá-los

no peito. Deixe-me contar um. Quando

me veio

buscar a morte, olhei em seus olhos

verdes. Sim,

fiz o pior que pude, mas fui

valente. A última

luz que ví tinha a forma do rosto de sua

mãe. Quando

uma flor começa a abrir-se não está em seu

momento

de maior beleza. Requer graça &

lentidão, como

uma mulher que na praia arqueia o

pescoço. Inspirei

minha fumaça azul & jamais voltei a vê-la. Outro

dos segredos que guardo no peito. A flor enfim

dá as caras.

Traguei tanto que me matou tanto açúcar.

Tão distante estou da pessoa que mais amei.




poemas traduzidos da versão de Ezequiel Zaidenwerg









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