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Foto do escritorSerena Franco

Pablo Romero (Tucumán 1999)




TIRÉSIAS


"yo nací para mirar lo que pocos quieren ver"

Charly García


A linguagem é o limite do humano

e de que importa se estes dedos

só servem para mentir.

Quando escrevo vou contra:

o poema avança e cai

como uma pedra cai

como cai a noite.

Quando escrevo estou tão cego

que as palavra leem a mim:

não há espelho senão ponte dinamitada

caminho pedregoso, pé descalço

contra o vidro.

Toda escrita é uma luta

entre o eu e sua cegueira:

às vezes o desconhecido

se faz carne e arranca sem parar

às vezes não sei dizer basta

e nomeio até doer.

Não há oráculos nem ritos.

Quando escrevo

abro as pálpebras

à palavra olho

meu poema enxerga sem piedade.




MENINO E DIALÉTICA

Me arranco vivo no gesto de permanecer. Eu fiquei

pensando

que ficar não é persistir, que a história da casa

começa

quando se esvazia, que a primeira recordação é sempre

depois.

Não escrevo isso como quem se vai senão como quem nunca

soube ir.

Como quem descobre, de uma má maneira, que a beleza lastima

quase tanto quanto a sede

Construir uma casa nos teria salvado de nós? Nem

você nem eu

quisemos nunca uma casa mas a escrevemos, escrevemos

até fazer uma casa o pranto e até que parecesse que percorrer

a ferida basta

para não morrer demasiado.

As crianças sentimos quando chega o esquecimento. Sabemos o

momento exato

em que a névoa começa a partir-nos. Isso é também a

inocência,

dizer a palavra incorreta no momento adequado:

O menino morreu de escrever o fogo que o fez em pedaços

A luz recorda a dor que ocupamos.





QUEBRAR UM VASO


Estava à borda. Eu juro. Quase imperceptível,

atento à ruína como a ponto de matar-se

como sabendo o lugar exato onde fazer a fuga.


Estava à borda.


Tive um amor alguma vez. Era como viver da sede,

entregar-se contra o mar até romper o corpo.


Mas não era meu corpo o que se fragmentava

na queda,

não desta vez. O vaso caía pelo peso do seu nome,

disse vidro e não necessitei mais para cortar-me.


A poesia faz estas coisas.





MENINO E LUA


«Había un lugar hermoso porque era mío».

Cristina Rivera Garza


Estão sentados. Um ao lado do outro, coração adentro.

O amor arde porque está vivo e o corpo é o martírio

de um câncer insofrível, precioso. Não há força para mim

nas palavras incapazes de condenar-nos

à perda ou ao esquecimento.

Estão sentados.

O menino dirá uma palavra para estremecer a noite: seu nome.

Vai escrevê-lo em uma pedra.

Com o tempo a isso vai chamar perdurar, sem se dar conta

de que tudo se esfuma, inclusive essa memória.

Sem entender que crescemos

à medida que aprendemos a não morrer

e que nenhuma palavra basta para plantar-nos firme

na memória.

Um dia estão sentados.

No seguinte nunca mais.





ANEXO SOBRE A ATROCIDADE


O menino diz tempo e lhe sangra a boca

grita como querendo arrancar de golpe

o gesto morto de uma dor

demasiado inútil

a coluna torta de sustentar

o peso de outros anos

umas mãos onde ninguém espera

para a terrível cerimônia de assisti-lo cair.

não deveria o medo caminhar descalço

um passo e outro à intempérie,

descenso transversal ao precipício dos dias.

O menino diz tempo e lhe sangra a boca

um despedaçar-se contra toda lua

contra toda intensidade







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