TIRÉSIAS
"yo nací para mirar lo que pocos quieren ver"
Charly García
A linguagem é o limite do humano
e de que importa se estes dedos
só servem para mentir.
Quando escrevo vou contra:
o poema avança e cai
como uma pedra cai
como cai a noite.
Quando escrevo estou tão cego
que as palavra leem a mim:
não há espelho senão ponte dinamitada
caminho pedregoso, pé descalço
contra o vidro.
Toda escrita é uma luta
entre o eu e sua cegueira:
às vezes o desconhecido
se faz carne e arranca sem parar
às vezes não sei dizer basta
e nomeio até doer.
Não há oráculos nem ritos.
Quando escrevo
abro as pálpebras
à palavra olho
meu poema enxerga sem piedade.
MENINO E DIALÉTICA
Me arranco vivo no gesto de permanecer. Eu fiquei
pensando
que ficar não é persistir, que a história da casa
começa
quando se esvazia, que a primeira recordação é sempre
depois.
Não escrevo isso como quem se vai senão como quem nunca
soube ir.
Como quem descobre, de uma má maneira, que a beleza lastima
quase tanto quanto a sede
Construir uma casa nos teria salvado de nós? Nem
você nem eu
quisemos nunca uma casa mas a escrevemos, escrevemos
até fazer uma casa o pranto e até que parecesse que percorrer
a ferida basta
para não morrer demasiado.
As crianças sentimos quando chega o esquecimento. Sabemos o
momento exato
em que a névoa começa a partir-nos. Isso é também a
inocência,
dizer a palavra incorreta no momento adequado:
O menino morreu de escrever o fogo que o fez em pedaços
A luz recorda a dor que ocupamos.
QUEBRAR UM VASO
Estava à borda. Eu juro. Quase imperceptível,
atento à ruína como a ponto de matar-se
como sabendo o lugar exato onde fazer a fuga.
Estava à borda.
Tive um amor alguma vez. Era como viver da sede,
entregar-se contra o mar até romper o corpo.
Mas não era meu corpo o que se fragmentava
na queda,
não desta vez. O vaso caía pelo peso do seu nome,
disse vidro e não necessitei mais para cortar-me.
A poesia faz estas coisas.
MENINO E LUA
«Había un lugar hermoso porque era mío».
Cristina Rivera Garza
Estão sentados. Um ao lado do outro, coração adentro.
O amor arde porque está vivo e o corpo é o martírio
de um câncer insofrível, precioso. Não há força para mim
nas palavras incapazes de condenar-nos
à perda ou ao esquecimento.
Estão sentados.
O menino dirá uma palavra para estremecer a noite: seu nome.
Vai escrevê-lo em uma pedra.
Com o tempo a isso vai chamar perdurar, sem se dar conta
de que tudo se esfuma, inclusive essa memória.
Sem entender que crescemos
à medida que aprendemos a não morrer
e que nenhuma palavra basta para plantar-nos firme
na memória.
Um dia estão sentados.
No seguinte nunca mais.
ANEXO SOBRE A ATROCIDADE
O menino diz tempo e lhe sangra a boca
grita como querendo arrancar de golpe
o gesto morto de uma dor
demasiado inútil
a coluna torta de sustentar
o peso de outros anos
umas mãos onde ninguém espera
para a terrível cerimônia de assisti-lo cair.
não deveria o medo caminhar descalço
um passo e outro à intempérie,
descenso transversal ao precipício dos dias.
O menino diz tempo e lhe sangra a boca
um despedaçar-se contra toda lua
contra toda intensidade
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